Uma Música para os Mortos
Anya avaliou Dae-hwan de cima a baixo. “Muito bem, Kim Dae-hwan. Se quer provar que suas palavras valem alguma coisa, terá sua chance. Uma vila vizinha, situada a oeste, não responde aos nossos sinais há dois dias. Um grupo de patrulha será enviado para investigar. Você irá com eles.”
Dae-hwan sentiu um nó no estômago. A ideia de sair da relativa segurança da vila o deixava desconfortável. Mas ele sabia que não tinha escolha. Recusar seria o mesmo que assinar sua sentença de exílio – ou pior. “Eu vou,” respondeu, tentando soar confiante.
Anya assentiu, um leve brilho de aprovação em seus olhos. “Borin liderará a patrulha. Siga suas ordens. E não cause problemas.”
Borin, o guarda sardento com os braços tatuados, lançou um olhar fulminante para Dae-hwan. Ele claramente não estava feliz com a presença do forasteiro. “Não se preocupe, Anya. Eu vou garantir que ele não cause problemas,” disse Borin, o tom carregado de ameaça.
No dia seguinte, ao amanhecer, Dae-hwan se juntou à patrulha na entrada da vila. Além de Borin, o grupo era composto por mais três guerreiros: Lena, uma arqueira silenciosa e eficiente; Gareth, um homem corpulento com um escudo desgastado; e Elara, uma curandeira de rosto gentil. Cada um deles carregava o peso da responsabilidade em seus ombros, a preocupação estampada em seus rostos.
Borin olhou para Dae-hwan com desprezo. “Você sabe lutar, forasteiro?”
Dae-hwan hesitou. “Eu… eu lutei antes.” Ele não queria se gabar de seu passado, mas também não queria parecer fraco. "Meu mestre era um monge budista. Ele me ensinou a lutar com as mãos nuas."
Borin zombou. “Um monge? Isso não vai te ajudar muito aqui. Lá fora, a luta é suja e brutal. Não há regras, não há honra. Apenas sobrevivência.” Ele gesticulou para o alaúde nas costas de Dae-hwan. “E o que você vai fazer com isso? Tocar uma serenata para os orcs?”
“Eu… posso usá-lo para me defender,” Dae-hwan respondeu, apertando o braço do instrumento. A madeira era fria e lisa sob seus dedos. Ele ainda não tinha ideia de como usar aquilo como arma, mas estava determinado a aprender.
A patrulha partiu, deixando para trás a segurança da vila. O caminho serpenteava por uma floresta densa e escura, onde os raios de sol mal conseguiam penetrar. O ar estava úmido e abafado, impregnado com o cheiro de terra e folhas em decomposição. O silêncio era opressor, quebrado apenas pelo som dos passos da patrulha e o canto distante de algum pássaro.
A medida que avançavam, Dae-hwan sentia a tensão aumentar. Borin o observava constantemente, o olhar cheio de desconfiança. Os outros membros da patrulha também se mantinham à distância, evitando o contato visual. Ele era um estranho, um intruso em seu mundo. Ele precisava provar que merecia estar ali.
De repente, Lena parou, erguendo a mão para sinalizar silêncio. Ela apontou para o chão. “Pegadas,” sussurrou. “Muitas pegadas. Orcs.”
O grupo se preparou, sacando suas armas. Borin deu um passo à frente, o rosto tenso. “Fiquem alertas. Eles podem estar em qualquer lugar.”
A floresta permaneceu silenciosa, mas a sensação de perigo era palpável. Dae-hwan apertou o alaúde com força, o coração batendo forte no peito. Ele nunca havia enfrentado orcs antes, mas sabia que eram criaturas brutais e implacáveis.
De repente, um berro gutural ecoou pela floresta. Um grupo de orcs surgiu entre as árvores, brandindo machados e espadas enferrujadas. Seus rostos eram deformados e grotescos, seus olhos vermelhos brilhando com uma fúria animalesca.
“Ataquem!” Borin gritou, lançando-se para frente com sua espada. A batalha começou, rápida e sangrenta. Os guerreiros da vila lutavam com bravura, mas os orcs eram numerosos e implacáveis.
Dae-hwan ficou paralisado por um momento, o medo o invadindo. Mas então ele se lembrou dos ensinamentos de seu mestre. Ele respirou fundo, concentrando-se em seu centro. Ele agarrou o alaúde com as duas mãos e avançou, usando-o como um bastão improvisado. Ele girou, acertando um orc na cabeça com toda a sua força. O orc caiu, atordoado. Dae-hwan aproveitou a oportunidade para acertá-lo novamente, dessa vez com mais força. O orc desabou no chão, imóvel.
Dae-hwan continuou lutando, movendo-se com uma ferocidade surpreendente. Ele não era um guerreiro treinado, mas tinha força e determinação. Ele usava o alaúde como uma extensão de seu corpo, girando-o e golpeando com precisão. Ele derrubou vários orcs, protegendo seus companheiros.
A batalha foi intensa e brutal. Vários orcs tombaram sob os golpes dos guerreiros da vila, mas também alguns deles caíram, feridos ou mortos.
Finalmente, após o que pareceu uma eternidade, os orcs restantes fugiram, desaparecendo na floresta. A patrulha cambaleou, exausta e ferida.
Borin, com um corte profundo no braço, olhou para Dae-hwan com surpresa. “Você… você lutou bem, forasteiro.”
Dae-hwan assentiu, sem dizer nada. Ele estava exausto, mas também sentia uma estranha sensação de satisfação. Ele havia provado seu valor. Ele havia lutado ao lado daqueles aldeões, protegendo-os dos orcs.
Mas a batalha havia terminado, e a missão ainda não. Eles precisavam continuar até a vila vizinha.
O que encontraram foi um cenário de horror. A vila estava em ruínas, as casas queimadas até o chão. Corpos estavam espalhados por toda parte, mutilados e desfigurados. O cheiro de fumaça e carne queimada impregnava o ar.
“Orcs,” Borin murmurou, o rosto pálido. “Eles fizeram um massacre.”
Mas algo estava errado. Havia algo mais ali, além da destruição causada pelos orcs. Uma aura sinistra pairava sobre a vila, uma sensação de corrupção e morte.
De repente, um gemido gutural ecoou entre as ruínas. Um dos corpos no chão se moveu, levantando-se lentamente. Seus olhos estavam vazios e sem vida, sua pele pálida e apodrecendo.
“Mortos-vivos!” Elara gritou, o terror estampado em seu rosto. “Os orcs usaram magia negra para reanimar os mortos!”
Vários outros corpos começaram a se levantar, movendo-se em direção à patrulha com passos lentos e trôpegos. Eram zumbis, criaturas grotescas e famintas, controladas por uma magia sombria.
A patrulha se preparou para a batalha, mas desta vez o inimigo era diferente. Os zumbis eram lentos, mas implacáveis. Eram imunes à dor e não sentiam medo.
Dae-hwan lutou com ferocidade, usando o alaúde para derrubar os zumbis. Mas eles continuavam vindo, em uma horda interminável. Ele percebeu que este era um tipo de batalha diferente. Não bastava força bruta; era preciso encontrar uma maneira de destruir a magia que os controlava.
Durante a luta, Gareth foi atingido por um zumbi. A mordida não parecia grave, mas Elara o examinou com preocupação. “A ferida está infeccionada com magia negra,” disse ela. “Ele vai se transformar em um zumbi em breve.”
Borin olhou para Gareth com pena, mas também com determinação. “Precisamos recuar,” disse ele. “Não podemos lutar contra essa horda e proteger Gareth ao mesmo tempo.”
A decisão era difícil. Deixar Gareth para trás significava condená-lo a uma morte horrível. Mas tentar salvá-lo colocaria todos em perigo.
Dae-hwan tomou uma decisão. "Eu vou distraí-los," ele disse. "Enquanto isso, vocês levam Gareth de volta para a vila."
Borin olhou para ele com surpresa. "Você está louco? Você não vai durar nem cinco minutos sozinho contra essa horda."
"Eu tenho um plano," Dae-hwan respondeu. Ele respirou fundo, concentrando-se em sua classe de bardo. Ele nunca havia usado seus poderes musicais antes, mas sabia que precisava tentar.
Dae-hwan caminhou até o centro da vila, ignorando os gemidos dos zumbis. Ele ergueu o alaúde e começou a tocar. Não era uma melodia suave e agradável. Era um som estridente e dissonante, um ruído cacofônico que ecoava entre as ruínas.
Os zumbis pararam, voltando-se para Dae-hwan. Eles pareciam confusos, atraídos pelo som estranho. Dae-hwan continuou tocando, aumentando o volume e a intensidade. Ele estava usando o alaúde como uma isca, atraindo os zumbis para longe de seus companheiros.
Funcionou. Os zumbis começaram a se mover em direção a Dae-hwan, deixando seus companheiros livres para recuar. Borin hesitou por um momento, olhando para trás com preocupação. Mas então ele assentiu e liderou o grupo para fora da vila, carregando Gareth.
Dae-hwan continuou tocando, correndo pela floresta com a horda de zumbis em seu encalço. Ele não sabia por quanto tempo conseguiria aguentar, mas estava determinado a dar a seus companheiros uma chance de escapar.
Enquanto corria, Dae-hwan percebeu algo estranho. Quanto mais ele tocava, mais forte se sentia. A música parecia dar-lhe energia, aumentando sua velocidade e resistência. Ele também notou que os zumbis pareciam mais lentos e desorientados quando estavam perto dele. Sua música estava afetando-os de alguma forma.
Ele corria e tocava, tocava e corria. A horda de zumbis em seu encalço era implacável, mas ele se recusava a desistir.
Kim Dae-hwan, o bardo brutal, tocava uma música para os mortos.
Após o que pareceu uma eternidade, Dae-hwan percebeu que estava perto da vila. Ele sabia que não conseguiria atrair os zumbis para dentro da paliçada, pois isso colocaria todos em perigo. Ele precisava encontrar uma maneira de se livrar deles.
Com um último esforço, Dae-hwan começou a correr em direção a um desfiladeiro profundo. Ele sabia que era um risco, mas era a única maneira de salvar a vila. Ele continuou tocando, atraindo os zumbis para a beira do abismo.
Ao retornar à vila após os mortos vivos sairem atrás do Dae-hwan os outros membros do grupo com vida começam a refletir que ele não é mais apenas o estranho mas, é alguém que sangrou por eles. Um aliado.